sábado, 7 de junho de 2008

Fim de temporada.




Depois do terremoto do dia 12 de Maio, a cidade de Xi'an continuou vivendo por um mês sob a sua sombra. Junto com as pessoas do resto do país, os chineses daqui tiveram todos os 40 canais de suas televisões tomados por notícias, reportagens, entrevistas, gravadas e ao vivo sobre a tragédia e suas conseqüências . Salvamentos, políticos com a mão na massa, histórias de pessoas que perderam seus filhos, pais, até a família toda às vezes, preenchiam praticamente o dia inteiro da programação. Alguns dias depois da tragédia foi decretado um luto nacional de três dias: a diversão foi proibida, canais de filmes e afins foram bloqueados, academias de ginástica fechadas (???), todos deveriam estar obrigatoriamente tristes (hã?). No primeiro dia do luto rolou uma pausa, cinco minutos de silêncio exatamente uma semana depois do terremoto, na mesmíssima hora. Eu pensei que todos estariam fazendo exatamente a mesma coisa do dia do tremor quando tivessem que se levantar e lembrar. Tocaram sirenes, os motoristas pararam seus carros e desceram a mão na buzina, muita gente saiu para a rua para se sentir num ambiente público. Eu estava mais uma vez na sala de aula com minha professora de chinês. Saímos todos para o páteo do prédio (o mesmo para onde eu corri que nem um idiota no dia do terremoto) e mostramos nosso respeito e tristeza pelas milhares de almas que foram perdidas, rolou até o dono da escola, um cara super jovem, puxando uma reza (cristã?) em chinês, todo mundo de mão dada.

Nas semanas que se seguiram ao grande terremoto, notícias de novos tremores chegavam por mensagem de texto no meu celular diariamente. Como o meu telefone não mostra os caracteres chineses, olhava no de qualquer outra pessoa por perto para saber o que diziam, todos recebiam igual. Duas noites eu fiquei com um pouco de cagaço e não consegui dormir direito. Era uma coisa inconsciente, do trauma do dia do terremoto: eu sabia que nada podia acontecer se no dia do grande tremor nenhum prédio ou casa tinha caído, por mais forte que fosse uma réplica, não tinha jeito de alguma coisa acontecer. Os chineses ficaram com mais medo, muito mais. Talvez porque a maioria deles mora em andares altos, onde os tremores balançam mais e de onde é mais difícil e perigoso descer. Talvez porque eles ficaram mais medrosos mesmo depois de ficar assistindo tanta desgraça na TV. Acontece que até semana passada tinha muita gente dormindo em barracas nas praças, jardins, pátios, pessoas em sacos de dormir em cima de um jornal na calçada, dentro de carros e em qualquer lugar que eles encontrassem que não tivesse concreto por cima.


Depois das duas primeiras noites após o terremoto, só teve uma réplica forte mesmo, no domingo retrasado. Eu estava praticando Yoga sozinho na minha sala e não entendia porque as estantes estavam batendo uma contra a outra. Na semana seguinte as mensagens de texto que chegavam do governo eram para dizer que outras réplicas menores poderiam ser sentidas mas que seriam inofensivas para a nossa região, para não se preocupar. Eles estavam com medo que as pessoas entrassem em pânico e começassem a fugir da cidade ou coisa assim. Chegou até uma um dia dizendo para não acreditar no boato de uma forte réplica numa província vizinha, que não existia nenhuma informação comprovando a previsão.

De resto, tudo anda meio na mesma. O calor cada vez mais forte, com o verão chegando, e a expectativa do fim da minha estada aqui (caralho, como passou rápido!). Antes do final do mês de Junho, eu já vou estar liberado das minhas obrigações como professor da universidade.



Minha relação com os alunos está cada vez melhor e as aulas têm ficado cada vez mais fáceis de dar, até porque eu fiquei um pouco mais experiente no quesito aula e no quesito chineses, isso além dos alunos já estarem falando mais as línguas que eu ensino, o que facilita a nossa comunicação.



Criei uma relação muito legal com meus alunos todos, eles tem uma certa mistura de curiosidade e admiração por extrangeiros, ainda mais por jovens, que fez com que rolasse muita empatia.



Eles são a minha maior janela para a cultura chinesa, aprendo muita coisa observando como se relacionam entre si, vendo o que comem, conversando com eles e tal. Apesar do entrosamento, tem coisas que eu não consigo evitar que aconteçam, mal-entendidos que no começo eu achava que iam fuder tudo, e que depois fui desencanando igual a muitas coisas aqui neste país. Eu passava uma atividade, por exemplo, e eles faziam errado, eu parava e tentava explicar de novo e eles olhavam para a minha cara como se eu fosse um E.T. Daí eu deixava eles fazerem do jeito que eles quisessem. Aos poucos fui me acostumando com essa diferença brutal de cultura e lógica de pensamento que faz com que meus alunos, até quando entendem o que eu falei, as palavras que eu disse, muitas vezes interpretam de uma maneira completamente inusitada. É uma parada meio surreal, mesmo. Eu me acostumei, mas sigo sem conseguir aceitar, preso como estou dentro das formas de pensar do ocidente.



Uma ilustração de diferença cultural curiosa: outro dia, um dos meu alunos, de 20 anos de idade, me contou a história de como começou o seu namoro. Ele disse que tinha uma amiga de quem ele gostava muito. Planejou uma investida: foi numa loja de flores, comprou 31 rosas, fez uma reserva num restaurante ocidental (considerado chique por aqui, que nem restaurante oriental no Brasil) e convidou a tal menina. Parece que no meio do jantar a dois, rolou um momento em que a garçonete chegou de surpresa com as flores. O menino disse para a sua pretendente que eram 31 para representar os dias do mês em que ele pensava nela. Pediu-a e namoro e foi atendido. Parece coisa de filme, mas aqui na China é comum.



Neste tempo no exílio conheci o projeto Couchsurfing.com. Já falei dele antes, em outros posts, mas vou dar uma refrescada na memória de vocês. É uma parada que uns gringos criaram para que viajantes possam ficar na casa de pessoas nos lugares onde forem. Geralmente quem hospeda também vai alguma hora viajar e se beneficiar. Não se paga nada para ninguém, o que vale é a experiência e a amizade. Não é obrigatório receber hóspedes para poder ficar na casa de alguém, cada um um oferece o que pode. Eu, aqui, recebi muitas pessoas durante este ano, gente de todo canto do mundo que, quando passavam pela minha casa, deixavam um pouco da sua história de mochileiros e da sua alegria de estar viajando. O último que recebi foi o Fajar, um cara de uns 30 e poucos, da Indonésia. Ele trabalha na embaixada do Canadá na capital, Jacarta. Foi muito legal porque ele me falou da história não só do seu país, como também da Malásia, Singapura, etc, e me deu uma visão geral do sudeste asiático, do qual eu não tinha nenhuma idéia.


Cada pessoa que vem expande o meu mundo um pouco mais. É como viajar sem sair d casa. Quase todo mundo que vem pra China passa por Xi'an e muitos jovens fazem parte desse projeto e me pedem para ficar aqui. Várias vezes eu recusava por não estar num humor muito bom e é foda receber alguém que você não conhece na sua (pequena) casa; se não estiver com paciência e bom humor, cabeça aberta, não é uma experiência legal. Muitas outras eu aceitei e todas foram muito legais e valeram a pena. Fiz alguns amigos e garanti lugares para ficar em minhas futuras andanças pelo mundo.



Semana passada rolou uma coisa bacana. Me encontrei com um fotógrafo brasileiro que está fazendo um livro sobre países emergentes, incluindo aí a China, e fui ajudar ele a encontrar umas imagens aqui em Xi'an. Tivemos uma professora em comum no Senac, onde ele fez pós e eu fiz o bacharelado em fotografia, a Simonetta. No seu blog, ela comentou sobre os dois porque tínhamos em comum o fato de estarmos aqui no oriente. Assim, trocamos alguns emails nas últimas semanas e nos encontramos finalmente na quinta-feira passada. Foi desse jeito que conheci o Érico, um cara bem gente fina por sinal.



Fomos para a parte leste da cidade, onde eu sabia que existe um antigo bairro operário de fábricas de tecido e roupas. Demos um rolê perto de uma termelétrica qu eu nem sabia que estava lá e depois acabamos entrando numa escola onde eu consegui fazer o porteiro deixar a gente entrar (falando chinês, vejam bem). Aproveitei para fazer umas fotos também, a criançada, de uns 6, 7, anos, pirou com os dois estrangeiros dentro da escolinha deles.



A cidade de Xi'an está construindo seu metrô. Comecaram no final do ano passado, não muito tempo depois de eu ter chegado aqui. A avenida que sai do centro e corta o sul da cidade está completamente zoada porque eles estão fazendo as escavações de cima para baixo, e não com tatu, por dentro da terra, como fazem no Brasil por exemplo. Acho que é alguma coisa a ver com o fato da cidade estar num enorme sítio arqueológico e que em cada pedaço de terra retirada pode estar uma relíquia da longa e gloriosa história chinesa. O trânsito está bem ruim para ir daqui para o centro, então, já que o campus onde eu moro fica do lado dessa avenida. Eu geralmente, quando vou para lá, pego um ônibus de dois andares onde dá para ficar sossegado na parte de cima, sentado, olhando a paisagem e sem ser incomodado por encontrões e empurrões dos chineses subindo e descendo.


Os motoristas dirigem esses monstros como se fossem motos, girando o volante que nem uns loucos, acelerando e brecando o tempo todo, isso sem falar que é tudo muito caótico nas ruas da cidade, com pessoas atravessando as avenidas sem esperar o sinal fechar, carros virando para a esquerda, bicicletas que entram na sua frente vindas do nada, um caos que só os chineses devem entender. Eu até que me acostumei rápido a andar desencanado desse tipo de coisa, do trânsito bizarro, das placas com nomes confusos, restaurantes sem guardanapo.... mas fico pensando nos suíços, nos canadenses, nos escandinavos, que devem ter um choque muito maior do que o meu quando chegam aqui pela primeira vez. Ser brasileiro tem suas vantagens, estamos mais próximos do resto do mundo, somos mais parecidos com uma maioria do que com uma minoria. Quando voltar para o Brasil, vou levar muito menos a sério os problemas da vida cotidiana, isso sim.