terça-feira, 13 de maio de 2008

E o chão me enganou

Bom, para quem está curioso sobre o que rolou comigo aqui em Xi'an, aí vai:

Ontem, ás duas da tarde, eu entrei na saleta onde tenho minha aula particular de chinês. O lugar, uma escola de chinês para estrangeiros, comandada por um casal de tradutores, é na verdade um apartamento no térreo de um edifício novinho em folha a uns dez quarteirões de onde eu moro. Duas e quinze, minha professora está falando alguma coisa para mim em chinês e eu tentando me concentrar para entender a frase. De repente, senti alguma coisa balançando. No primeiro instante, achei que era uma tontura da digestão do almoço. Sentei direito na cadeira mas continuava com os braços apoiados na mesa diante de mim, seguia sentindo aquela coisa. Perguntei para minha professora se ela estava mexendo a mesa ao mesmo tempo em que me levantava, já assustado. Tudo isso durou 7 segundos. No oitavo segundo eu entendi que tinha alguma coisa muito errada rolando e comecei a ir para a porta da escola, nisso, os outros alunos e professores também estavam se levantando. Não tremia o chão, balançava feito barco.

Quando cheguei perto do elevador e das escadas, perto da saída do prédio, ouvi uma gritaria geral e saí correndo do prédio que nem um retardado. Eu achava, não que tivesse tempo para achar muita coisa, que era o prédio que estava ruindo, tipo aquele que caiu uma vez no Brasil, lembram? Achei que tinha sido mal construído e estava vindo abaixo, eu olhava para trás e via aquele prédio de 25 andares se mexendo, fazendo barulho, meio que trincando. Atravessei o pátio em frente e entrei num estacionamento coberto, só de reflexo. Um dos professores da escola veio correndo comigo. Eu ainda segurava a caneta que estava usando, aberta.

Quando pensei que pudesse ser um terremoto e me dei conta de que, se aquele prédio realmente desabasse, eu não estava seguro de qualquer forma naquele estacionamento, saí correndo de novo para fora e para a rua, passando muito perto do prédio novamente. Cheguei na rua e vi gente saindo dos outros prédios. Aí que me dei conta de que era de fato um terremoto. Comecei a correr mais devagar, até chegar na avenida, onde podíamos estar mais seguros se alguma coisa desabasse. Em dez minutos o lugar estava lotado de gente saída de todos os edifícios da rua. Ficamos uns vinte minutos esperando, o tremor já tinha passado mas estavam todos sem reação, nada dasabou.

Duas outras alunas, minhas colegas aqui da faculdade, decidiram voltar para casa. Eu ainda queria pegar minhas coisas na sala de aula, principalmente minha carteira que tinha ficado na mesa. Minha bicicleta também estava dentro do complexo, mas numa área aberta atrás do estacionamento. Voltei com uma das professoras mas não deixaram a gente entrar no prédio. Peguei minha bicicleta e voltei para casa. Meu dedinho do pé estava sangrando, não lembro bem como cortei, acho que alguém pisou. As ruas da cidade estavam tomadas de pessoas saídas do jeito que estavam de dentro dos seus apartamentos e locais de trabalho.

O meu apê na universidade é num predinho de três andares, bem simples, achei que não teria problema entrar. Vi as notícias na internet e na tv. Os telefones não funcionavam. Entendi o que tinha acontecido e fiquei esperando mais informação para ver se íamos ter que ficar para fora dos prédios ou o quê. A tarde aqui no campus foi passando, eu desci para o jardim para trocar idéia com os outros professores que iam chegando. Alguns já tinham passado por isso na califórnia e na europa, ficaram falando dos aftershoks, os tremores que vem depois do terremoto. De noite fomos dormir com rumores de que viriam mais alguns tremores. Eu tava tão nervoso que não conseguia dormir, ficava noiado com qualquer barulho. Dormi mal e porcamente até umas 4:30 da madruga, quando acordei com um tremor de terra. Até que levantei, já tinha passado.

Fiquei perambulando uns minutos, tentando pensar o que fazer. Voltei pra cama e tentei dormir mais um pouco, às seis eu tinha que acordar para dar aula. A cama é de mola e cada vez que eu me mexia dormindo achava que a terra tava tremendo de novo, muito bizarro. Fui dar aula hoje de manhã e não rolou muita coisa: da primeira turma apareceram só quatro muleques. O resto estava dormindo ainda. Boa parte dos estudantes da universidade dormiu nos jardins e praças do campus, ao relento, com medo de voltar para dentro do dormitório. A segunda turma apareceu inteira. Agora era para eu dar uma terceira aula, mas os alunos me ligaram dizendo que estavam muito cansados, não queriam ter aula. Voltei para casa para dormir eu também.

Ainda parece que tá mexendo o chão algumas horas. Não dá para saber se é coisa da minha cabeça ou se são leves sismos retardatários. Tudo meio que já voltou ao normal aqui em Xi'an, apesar de alguns prédios onde não se pode entrar por enquanto, incluindo o lugar onde ficaram minhas coisas ontem.


O resto é notícia, que vocês podem ler na internet e ver na TV que nem eu.

Vou voltar para o Brasil de corpo fechado depois desta temporada na China!

abraços e beijos,

Diego

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Israel


Na segunda metade do mês passado tirei uma pequena folga do trabalho de professor e fui ter com a minha família no oriente médio, em Israel mais exatamente. Sei que esta viagem foge um pouco do tema do blog, que é a China, mas tem um pouco a ver porque viajei desde aqui e rolou um puta contraste sobre o qual eu vou falar mais para o final deste post.
Para quem não sabe, eu sou judeu e apesar de estar bem desligado da parte religiosa desse termo, inegavelmente faço parte de uma cultura, de um povo, de uma história. Meu irmão, André, mudou-se para Israel há uns dois anos e está estudando numa universidade perto de Tel-Aviv, a capital do país em certos aspectos. Minha mãe, que mora na Argentina, foi para lá e me pagou uma passagem para eu também ir. Foi difícil conseguir a folga de dez dias da universidade, mas valia a pena.

Meu irmão alugou um carro pela empresa onde ele está trabalhando e ficamos uma semana percorrendo todo o minúsculo território de Israel. Consegui visitar muitos lugares que só conhecia pela teoria e rever alguns outros para os quais tinha ido há 17 anos atrás, quando eu levava só oito anos no curriculum. Da vez que tinha ido quando era criança, eu me lembrava de algumas coisas, principalmente de um kibutz na fronteira com o Líbano chamado Rosh Hanikrá, de uma cratera no deserto do Negev em Mitzpe Ramon e da cidade onde eu morei por 3 meses, Beer Sheva. É que nessa época eu tinha ido com a minha família para morar lá na verdade, mas acabamos voltando para o Brasil. Desses três lugares, eu só visitei Beer Sheva desta vez (mais para baixo escrevo a respeito).
Vou falar sobre a viagem mais ou menos de forma cronológica, mudando a ordem de algumas coisas pelo bem da linha de raciocínio

Estas fotos são em Cesaréa, dá para ver o aqueduto que os romanos construíram no tempo deles para abastecer a cidade na beira da praia.


Humus, para quem não sabe, grão de bico amassado, é comida árabe mais que tradicional e que se come em qualquer esquina de Israel, literalmente. Foi de longe o que eu mais comi lá. Este restaurante aqui está em Yaffo, cidade anexa a Tel-aviv, basicamente árabe. O lugar estava bombando mais que o bar Filial na sexta à noite (para quem conhece). Tinha muito mais judeu do que qualquer outra coisa na fila para sentar, até uns caras com o uniforme do exército, o que mostra como, geralmente os dois povos se dão bastante bem.


Alguns dos cozinheiros, todos árabes, que trabalham neste lugar onde o barulho é quase insuportável de tanta gritaria que rola no salão lotado.

A data da viagem que fiz não foi acaso. A segunda noite em que estive lá foi Pessach, uma festa judaica muito importante, que lembra a saída do povo judeu do Egito há milhares de anos, onde éramos escravos. Nessa noite faz-se um grande jantar com a família e pessoas próximas e nós três tínhamos sido convidados por uma antiga amiga da minha mãe para pasarmos jantarmos na casa dela, em Haifa, no norte do país.




Esta senhora já era amiga da minha avó quando minha mãe era criança, por isso sua filha Marcela e minha mãe Diana se conhecem praticamente do berço.

No próximo dia 14 (maio/2008) Israel vai completar 60 anos de independência. Apesar de todos os problemas com os palestinos, eu sinto orgulho desse lugar, que hoje em dia está desenvolvido e bonito, por ter sido fruto do esforço contínuo de um povo que já estava cansado de ser perseguido e morto por causa de preconceito e intolerância. A morte de 6.000.000 de judeus nos campos nazistas (um terço da população judaica) foi a gota d'água que fez com que se conseguisse uma terra própria, uma nação. Eu sou a favor de um estado palestino e acho uma pena que extremistas, como os terroristas por exemplo, tenham minado o trabalho dos dois lados em direção à paz. O causa palestina é um grande assunto sobre o qual não vou me delongar aqui. Só digo que há inocentes e culpados dos dois lados.

Ainda no norte, fomos para o lago Kineret, perto da fronteira com a Síria. É a maior reserva de água doce do país e não é tão grande assim, mas é muito lindo. A foto abaixo eu tirei de uma colina do Golan, um lugar alto, cheio de montanhas, que pertencia ao inimigo antes da guerra de 67 e que foi conquistado por Israel porque de lá eram atiradas bombas e projéteis sobre civis israelenses.

A próxima foto é puramente ilustrativa. Por todo lugar que eu passava nesta viagem, eu via umas mangueiras de plástico marrom entrando e saindo da terra nos jardins, floreiras, plantações, etc. Eu já sabia o que era mas não entendia direito como funcionava. Essa pequena caixinha branca à direita é um computador que controla as válvulas das torneiras das quais saem as tais mangueiras. É um sistema de irrigação por gotejamento que maximiza o uso da água (que é pouca) e faz com que a terra em lugares tão secos quanto um deserto absorvam umidade, ao invés de deixarem tudo escoar pelos poros como aconteceria se você jogasse toda a água de uma vez. Israel está fazendo plantações no meio do nada, no deserto, apenas usando este sistema.

Parece que há alguns anos, no Brasil, um grupo de técnicos israelenses foi trazido para dar uma olhada no triângulo da seca no nordeste e chegou a conclusão que o mesmo sistema poderia ser implantado por lá. Porém, por causa do lobby dos coronéis, os fdp que ganham em cima da miséria da falta de água, a chamada indústria da seca, o projeto nunca foi para frente.

Naquele mesmo dia, fomos para Jerusalém. Ficamos três dias visitando a cidade antiga, os museus e o centro da cidade. Absolutamente incrível essa cidade. Eu sentia esse clima de religiosidade, de história antiga, de mistura de povos, por cada lugar que andava.


Com certeza o muro das lamentações é o lugar mais emocionante da cidade antiga. No dia que eu fui não estava muito cheio, tava rolando um bar-mitzvah e um punhado de pessoas rezando assim, com essa afeição física pelo muro. Este lugar é o que sobrou do segundo templo da história antiga judaica, destruído em 70 d.C., é uma parte da muralha externa da construção.


A cidade pra fora dos muros da parte antiga é toda preenchida por prédios com revestimento dessa pedra amarelada da região. Assim, toda Jerusalém mantém esse aspecto antigo, dourado, meio fantástico.


Acima está o museu do livro, onde estão expostos os pergaminhos do mar Morto, pedaços muito antigos de escritos bíblicos encontrados em cavernas daquela região. Eu me lembrava dessa cúpula dez vezes maior....

E para o mar Morto fomos nós.

Para chegar lá a partir de Jerusalém, é preciso atravessar um trecho da Cisjordânia. Na foto de cima dá para ver uma cidade palestina a partir da estrada onde estávamos.

Bom, o mar Morto leva esse nome por ser o mais salgado do mundo e nenhum tipo de animal sobreviver em suas águas. Uma curiosidade a mais é que ele está abaixo do nível do mar, uns 400 metros! Bom, o que rola é que por ter a concentração de sal tão alta (dez vezes mais do que os oceanos), a água tem uma densidade absurda de alta, e você flutua feito bóia salva-vidas. Extremamente divertido, só tem que tomar cuidado com o olho e a boca. Uma gota e você tá f....

Seguindo para o sul, chegamos a Eilat, uma cidade turística na beira do mar Vermelho, na fronteira com a Arábia Saudita, Jordânia e Egito. Tem um aquário muito bacana com uma torre no mar por onde você desce para ver os corais (gigantes e abundantes) e peixes por umas janelas debaixo d'água.


Rolou de fazer um mergulho de leve com o André. Como não temos carteirinha de mergulhador, fomos com uma instrutora cada um para poder ir ver os corais (de mãozinha dada, vê se pode?).


Turistas franceses eram a paisagem dominante ali. Dois dias em Eilat e fomos para Massada, uma montanha de frente para o mar Morto com um platô no topo, onde estão as ruínas antigas do palácio de inverno do rei Herodes. Esse lugar é muito famoso em Israel hoje em dia por que foi onde se formou uma resistência judaica à invasão romana no primeiro século da era moderna. Cerca de mil pessoas resistiram a um cerco de dois anos feito por 15 mil soldados. No final da história, os romanos construíram uma rampa para invadir a fortaleza e, no dia que conseguiram entrar, encontraram todos mortos: havia-se praticado um suicídio coletivo, preferiam morrer a serem subjugados e escravizados.


Eu fiquei fascinado pela luz em Israel, um sol amarelo, quente, lindo. O deserto me cativou ainda mais, com essa vastidão no olhar que eu amo.

Esse quadrado marrom no meio da foto de cima é um dos oito acampamentos romanos do cerco.

Meu novo chapéu posando com a pedra caliza (limestone)

Voltando para Tel-Aviv, paramos em Beer-Sheva e procuramos pelo lugar exato onde tínhamos morado em 1991. Eu lembrava muito desses bunkers. Lembro de ter rolado para dentro desse buraco numa briga de muleque. Tudo está quase igual à época em que moramos lá, uma sujeira só. A população judaica da cidade é basicamente formada por imigrantes russos que foram para lá depois da queda do muro de Berlim. Dá para ouvir os caras gritando em russo pela janela enquanto ouvem música da sua terra.


Foi bem legal ter ido visitar esse lugar do qual eu guardava uma memória tão longínqua. Foi uma parte importante da minha vida. Eu lembro que ia sozinho para a escola, não muito longe dali, e tinha só 8 anos.

De volta a Tel-Aviv, no meu último dia em Israel com minha família, fomos à praia tomar um sol. Tinha uma galera dançando música folclórica do lado, coisa bem comum em Israel. Logo antes de ir para o aeroporto, consegui dar uma passada no cemitério onde está enterrado meu avô paterno. A última vez que eu o tinha visto foi quando tinha 5 anos de idade. Polonês, conheceu minha avó, também polonesa, no Brasil. Se separou e foi morar na terra prometida. Ao lado dele, sob a mesma lápide, está a sua segunda esposa, que morreu antes dele e que eu nunca cheguei a conhecer. Ele viveu até os 92 anos, quem sabe eu não herdei um pouco dessa longevidade? Em letras grandes, no túmulo, está escrito LAJST em hebraico.

Voltei para a China na sequencia, pegando um trem noturno de Beijing a Xi'an. Duas noites sem dormir quase nada e eu capotei quando cheguei aqui. Foi extremamente bizarro viajar para Israel estando aqui na China, imaginem a diferença de culturas, de tamanho das coisas, de quantidade de pessoas! Lá, todas as pessoas tinham alguma coisa em comum comigo, quando não tinham muitas. Aqui, sinto-me estrangeiro o tempo todo, o tempo todo.
Desculpem a falta de reflexões mais profundas, mas não sei porque não me sinto muito inspirado. Acho que Israel mexe muito mais comigo do que a China, me faz sentir mais em casa e, lembrando do velho ditado, em casa de ferreiro, o espeto é de pau.


Beijos! Comentem!