sábado, 29 de setembro de 2007

Outono



...felicidade de brasileiro na China dura pouco. Lá se foi o sol pro hemisfério sul. Ontem o dia amanheceu nublado e chuvoso. Está garoando sem parar até agora à noite e a temperatura só faz cair. Bem que tinham me avisado: não existe meia estação aqui, só inverno e verão. Pois é, quando o calor insuportável acabou, tive duas semanas de tempo quieto e ensolarado e eis que o frio chega, e úmido, bem úmido. 11 graus agora. Se semana passada estava sem camisa perambulando pelo apartamento, agora tenho uma blusa me agasalhando. Espero mesmo que a calefação aqui, quando o frio de verdade chegar, funcione direitinho...




Começo desta semana, com a lua cheia, os chineses comemoraram o festival da Lua. É uma coisa tipo natal pra eles, reune-se a família, os amigos mais chegados e as namoradas para jantar e comer uns tais bolinhos da lua. E olhar pra lua. Diz a lenda que há muito tempo atrás, uma bela imortal, Chang'e foi mandada à Terra pelos deuses para se redimir por quebrar um valioso vaso de porcelana do palácio do paraíso. Aqui embaixo, ela casou-se com um sujeito que era um herói e que depois virou rei, ela, consequentemente, rainha. Ele tornou-se um déspota e quis ser imortal, fabricando uma pílula da imortalidade. Chang'e engoliu a pílula do marido, não se sabe se por engano ou com malícia, e a questão é que o cara ficou uma fera. Ela fugiu pela janela do sótão porém não caiu, voou e foi parar na Lua, onde vive até hoje. Dizem que quando os chineses estavam sob o domínio dos mongóis, no séc. XIV, um revolucionário muito esperto conseguiu autorização do império pra distribuir bolinhos redondos pra comemorar a longevidade do imperador mongol. Na verdade ele escondeu dentro dos doces uns papeizinhos com a data da revolução, que acabou por expulsar os estrangeiros opressores.

Os supermercados estavam bombando de bolinhos da lua de todos os sabores, tipo panetone em São Paulo em dezembro. Ganhei uma caixa, com uns tantos bolinhos, da universidade. São mais ou menos, nada de muito especial pra quem cresceu com quindim, doce de leite e bomba de chocolate. Mas são interessantes, bem massudos, pequenos, com recheio de batata doce, abóbora, doce de feijão e por aí vai.

Ontem chegou o outro professor brasileiro aqui na universidade, uma cara de 38 anos que nasceu no Rio Grande do Norte, mudou-se pra sampa, estudou na PUC e faz doutorado em ciências políticas na USP. Ele é professor de português de verdade numa escola estadual de Carapicuíba. Gente boa, um brasileiro típico. Trouxe livros bons e café.

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Muito tempo livre, poucas obrigações concretas. Só as muitas atividades que eu mesmo me imponho, estudar chinês, ler muito, pesquisar, estudar mais chinês, escrever pra vocês, comer, fumar um cigarro, assistir um filme. Agora vou ter mais tempo livre. Meu trabalho como professor vai começar só na segunda metade de Outubro e começa pra valer mesmo em Novembro. Férias pagas, mas muita vagabundagem também não é bom.
Enfim, semana que vem, feriado nacional chinês por causa do dia da...,( como direi?), criação da República Popular da China, vamos numa trip pra Jiuzhaigou, um lugar a dez horas ao sul daqui de Xi'an. Quem já viu o filme herói vai lembrar dos caras lutando num lago no meio de umas montanhas verdes, verdes. Reza a lenda que é pra lá que nós vamos passar 5 dias. Nós e 300 milhões de chineses! Se quiser, dê um google e ache algumas imagens desse lugar ou, o que é mais recomendável, espere eu trazer umas fotos diferentes, pessoais, fora do lugar-comum e mostrar neste blogue. Há!

ciao!


quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Sobre monumentos e fruição

Olá!

A cidade de Xi'an, como eu já contei em mensagens anteriores, está cheia de edificações antigas. O interessante é que, diferente de cidades como Ouro Preto, por exemplo, que hoje é um retrato vivo de uma certa época, Xi'an já era antiga antigamente. Muitos monumentos e palácios já foram destruídos, reconstruídos, reformados e transformados há séculos atrás. Ou seja, remete à milhares de anos de história como um todo. Cada lugar antigo tem uma história diferente. Vou mostrar dois pontos turíscos que visitei nas duas últimas semanas: a muralha da cidade e a grande torre do ganso selvagem. (tem uma outra que é a pequena, que ainda não fui)

A Muralha.


A muralha da cidade antiga já esteve em outro lugar, já teve outro tamanho, outras formas e o que existe hoje é uma versão meio reformadinha da que sobrou da última dinastia que a usou. É uma coisa de doido, faz um retângulo de uns 20 e poucos quilómetros de extensão em volta do centro da cidade. É alta e bem larga, com vários túneis por debaixo onde passam as avenidas principais. Têm uns 6 portões principais e outros menores. Um fosso com água dá a volta em toda a extensão. Este é o portão principal, o do sul.

Dei a volta inteira, metade à pé e a outra de bicicleta que eles alugam pros turistas. Como o negócio é gigante, tinha umas horas que não tinha ninguém no alcance da minha vista astigmática. É muito legal ver a cidade da perspectiva da muralha, achei umas coisas bem interessantes. Como a estação de trem de Xi'an:






A grande torre do ganso selvagem.

Esta torre fui contruída no séc. VII d.C. quando um príncipe chinês, Xuan Zang, voltou da Índia depois de 17 anos trazendo consigo mais de 600 volumes das escrituras budistas. Era o budismo chegando com tudo na China e o a torre foi construída para abrigar essa literatura. Tinha cinco andares e anos depois foram acrescentados mais cinco. Durante a segunda guerra mundial, três andares foram destruídos, sobrando os sete que existem hoje. A torre está cercada por vários templos e construções budistas. Não dá pra dizer quais têm mais de mil anos e quais eles construíram na última década para abrigar as lojinhas. Você paga pra entrar no complexo turístico e depois de novo para subir na torre. (!!)
O fato é que é muito lindo. Você entra por uma portinha e sobe por uma escada interna que vai dando à volta pelas paredes acima. Em cada andar tem uma janela pra cada um dos pontos cardiais. A cidade inteira é assim retinha, todas as ruas são leste-oeste ou norte-sul.




...

Nos últimos dias, um surpresa: o sol resolveu aparecer, trazendo com ele um céu azul maravilhoso! Sem neblina. Obviamente estou aproveitando, passeando, estudando na varanda (comecei a fazer aulas pariculares de chinês, duas vezes por semana) e o bom é que não está muito quente, está muito boa a temperatura.

Esta é a entrada principal do campus antigo da universidade, onde moro.

O sol saiu e descobri um costume do povo daqui: colocar as colchas na rua pra tomar uma corzinha quando isso acontece. Dá pra dar uma bela arejada.


Delícia, o mundo fica muito diferente com um tempo assim, e a vida também.






Tem uma chinesa que vem limpar meu apto. uma vez por semana. Ela está aqui agora e é bom eu sair do computador pra ela poder limpar a sala também.

Muitos beijos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Vida de estrangeiro

Semana passada fui com minha câmera dar uma olhada numa viela que tem aqui perto da universidade. Já tinha passado por lá com alguns professores num dia em que fomos jantar fora. Ela vai da avenida Chang'an, onde estou, até a próxima avenida paralela para oeste. É um lugar muito interessante à noite, quando muita gente está voltando pra casa do trabalho e há dezenas de lojas abertas, pequenos restaurantes, barraquinhas de comida, de fruta, de roupa, um pouco de tudo. À essa viela, somam-se outras menores que levam mais ainda pra dentro do quarteirão. Mas a coisa ferve mesmo nessa mais principal. Dos dois lados há predinhos de dois ou três andares cheios de plaquinhas luminosas e ideogramas chineses que eu ainda não sei ler. Acaba tudo mergulhado nesta magia da incompreensão, do pitoresco, que tem um lado bom, a beleza fantasia, mas tem um lado ruim também, que é o distanciamento que cria entre nós e eles. Assim como esse lugar existem centenas por aqui, e em nenhum momento eu sinto perigo, não se vê a malandragem pela rua como se veria no Brasil, por exemplo. Quero voltar e explorar mais essa viela, e outras também, achar o que há de interessante e de intrigante nelas.






No domingo à tarde, todos os professores estrangeiros fizeram uma reunião com a equipe da universidade que gerencia nossa vida por aqui. Rolou numa sala de eventos no hotel do campus, que fica do lado dos nossos apartamentos. Foi legal, deu pra conhecer algumas pessoas que eu não tinha conhecido ainda, inclusive um suísso bem jovem que veio ensinar francês, bem gente boa. Vou dar uma pesada nele pra melhorar meu francês.



Na segunda-feira começaram as aulas, mas só para os outros, porque, de fato, vou dar aulas pros alunos do primeiro ano, que têm o treinamento militar em setembro antes de começarem a estudar. Eles ficam no campo de futebol aqui do lado marchando o dia inteiro! De qualquer forma, aproveitei que o ônibus dos professores começou a fazer o trajeto pro campus novo e fui conhecer o lugar. É simplesmente gigantesco. Descobri que estudam 17 mil alunos nesta universidade e que a maioria esmagadora deles vive num dos dois campus. No novo habitam nada menos que 10 mil!!! Eles dividem quartos com umas 6 pessoas, dormindo em beliches. Não têm cozinha nem sala, acho que só banheiro e uma varandinha (onde eles pinduram a roupa). Comem todos num refeitório de três andares com capacidade pra 5 mil pessoas sentadas. Grande? Os estudantes todos têm um cartão magnético que usam pra pagar a comida que pegam num dos vários estandes dentro da cantina.
O campus novo também tem um pequeno shopping, com correio e até banco, um pequeno estádio, uma biblioteca gigante, e uns 9 prédios interligados onde ficam as salas de aulas, centenas delas. É numa delas que eu vou ensinar chinês a falar "ÃO":



Agora, só uma imagem do mercado de tecidos que eu fui junto com algumas professoras, mais pra conhecer e pelas imagens do que pelos tecidos mesmo (?!). Só pra vocês irem criando um imaginário mais trabalhado daqui da China.


Bem, ontem, eu finalmente fui ver os tão famosos guerreiros de terracota de Xi'an. Fui com uma espanhola amiga de uma professora, que está de passagem, e com uma aluna de espanhol da universidade, que foi meio de guia. Coitada, ela se esforçava tanto, mas eu não entendia metade do que ela falava. Deve ser tão difícil pra eles falarem uma língua ocidental, quanto pra nós falarmos chinês. O maior problema é que, quando eu entendia as palavras que ela dizia, muitas vezes eu não conseguia entender o sentido da frase, a sintaxe do que ela estava tentando me dizer. Mas enfim, eu peguei algumas coisas e outras eu tinha lido antes de ir. Tomamos um ônibus até a estação de trem e depois outro, que levou uma hora, até o local. O tal imperador Qin, que foi quem unificou a China por primeira vez, no séc. 3 antes de cristo, desde que subiu ao poder, começou a construir um mausoléu para que, quando morrese, levasse tudo que precisava para o outro mundo. Inclusive o seu exército inteiro, que são essas figuras em tamanho natural que seus artesãos esculpiram à semelhança de cada um dos seus soldados de carne e osso. Isso é que é o mais incrível. O que não é nada incrível, e que já era de se esperar, é que o governo (que é dono de tudo na china, se vocês ainda não entenderam) cobra 90 RMB (9 euros) para entrar. Pros turistas europeus é barato, mas eu, que ganho mais ou menos bem pra moeda local, acho caro, imagine para um chinês comum. Detalhe, se você quiser descer pra parte em que se chega mais perto dos guerreiros, tem que pagar outros 150 RMB. Nem cheguei a verificar quanto custava pra entrar na parte de arqueologia e andar pelo meio das figuras! O mais engraçado: centenas de turistas, cada um deles com uma câmera digital ou uma filmadora nas mãos, ou as duas coisas. Eu me diverti fotografando muitos deles enquanto apontavam seus aparelhinhos pras estátuas! Todo o museu, que engloba três galpões com estátuas desenterradas e algumas outras coisas, fica num espaço enorme cheio de jardins e caminhos, com lojas, restaurantes, etc, tipo Disney. (!!!) Tudo bem caro.




Um adendo: a parte mais divertida de muitos dias tem sido o jantar com a galera daqui. Ontem fomos num vegetariano bem chique, que custou 30 RMB pra cada um (3 euros). Barato? É mais divertido ainda quando estamos na companhia de Almut, uma alemã de 30 e tantos anos que têm um humor dos melhores que eu já vi! Estão na foto também, Jen, inglesa, e Lisa, australiana. Acho que dá pra identificar quem é quem.



Um grande beijo à vocês,

Até.