domingo, 13 de julho de 2008

Costa leste da China, o recomeço.

Estou em Beijing (Pequim). São quinze para as oito da manhã, eu estou no bar do Youth Hostel em frente à estação de trem, de onde acabei de sair. Vou ficar na casa do meu amigo francês que conheci na viagem que fiz durante o inverno aqui na China, Maxime. Ele está morando num lugar novo, que eu ainda não conheço, e, como é domingo, ainda não acordou para me dizer como chegar lá. Aqui sentado então espero ele acabar o seu sono e conto para vocês como foram estes primeiros 10 dias de viagem.


Bom, peguei meu trem para Shanghai. Meu plano era de Shanghai ir direto para a província vizinha logo ao sul, onde eu queria visitar alguns lugares. A caminho, porém, eu decidi descer umas duas horas antes, em Nanjing, cidade que eu tinha curiosidade de conhecer e de onde ficaria mais fácil de ir para onde eu queria. Nanjing já foi capital da China (Jing significa capital e Nan significa sul. Nanjing: capital do sul. Bei é norte, beijing, então, capital do norte.) e hoje é apenas mais uma cidade grande, como dezenas de outras. Fiquei duas noites lá e o calor estava insuportável, muito úmido, uma constante até agora nos lugares que fui. Vi algumas coisas interessantes por lá mesmo assim: fui visitar o memorial do massacre de Nanjing, um museu com toda a história do incidente, depoimentos dos sobreviventes, fotos, vídeos, etc. O caso não é muito conhecido no Brasil: em 1937 os japoneses, que estavam invadindo a China depois da primeira guerra mundial, entraram na cidade de Nanjing (na época, Nanking, outra forma de transliteração) e assassinaram mais de 300 mil pessoas a sangue frio, a maioria civis, estuprando milhares de mulheres, roubando tudo de valor das casas, e até hoje o governo do Japão não reconhece o crime.



O lugar é bem chocante, lembra bastante o museu do holocausto de Jerusalém.

Outro lugar que eu fui ver foi o mausoléu do Sun Yat-sen, o cara que é considerado o pai da China moderna. Numa montanha saindo da cidade, fizeram uma construção enorme, com uma escadaria gigantesca para chegar até o prédio onde estão os restos mortais dele. Sun foi quem liderou a revolução nacionalista contra o último imperador chinês e os colonizadores europeus nos anos 10.


Ele não estava presente na batalha que tomou o poder, estava refugiado em Tóquio, mas era a grande cabeça de todo o projeto e lutou toda a sua vida pela independência chinesa. Aprendi bastante sobre a história chinesa visitando lugares assim, mas não vou ficar falando muito a respeito para não encher o saco de vocês. Quem quiser saber mais pode ir na Wikipedia.

Restaurante em Nanjing:


Depois de Nanjing peguei um ônibus para Huangshan, a montanha amarela, um lugar extremamente turístico, mas que valeu a pena por conta da beleza das paisagens que encontrei por lá. Imaginem aquelas pinturas chinesas que mostram umas montanhas com picos de pedra, nuvens passando entre eles e velhinhos meditando à sombra de pinheiros nas encostas. O maior símbolo deste tipo de concepção de paisagem na China é a Huangshan.


O lugar era visitado por poetas, pintores, imperadores e pessoas com uma sensibilidade aguçada em busca de inspiração e fruição estética há mais de mil anos. É de fato impressionante, realmente percebe-se porque a cultura chinesa, desde há muitas centenas de anos, encerra as imagens destas montanhas em sua bagagem. Faz parte do inconsciente coletivo dos chineses. Como eu disse, o lugar é bem turístico e, como tal, aqui na China, recebe toda uma infraestrutura para abrigar os milhares de olhinhos puxados diários que escalam suas alturas. Esqueça os sapatos especiais de trekking ou coisas do gênero, eles fizeram uma escada que sobe do princípio ao fim, com bancos para descansar, lojinhas de água e comida e, no topo, toda uma mini vila com hotéis de luxo, restaurantes até caixa automático tem.
Quando eu cheguei no ponto final do ônibus que me levou até a região, subi numa van pra chegar no povoado que fica na base da montanha. O motorista, vendo que eu era gringo, me deixou em frente à um restaurante de um tal de Mr. Cheng, um chino que fala um bom inglês e usa isso pra fazer muitos clientes do exterior. Desci da van e ele já foi chegando, falando para eu entrar e sentar e sei lá mais o quê. Não gostei muito no começo porque não tinha pedido pra van me deixar ali e pressenti mais uma vez as mafiazinhas chinesas se articulando. Mas mesmo um pouco desconfiado fui ver o que o cara tinha pra oferecer. Ele me convenceu a reservar uma cama no topo da montanha no contato dele e comprar a passagem de ônibus do dia seguinte para fora da cidade, também com ele. Só me convenci a fazer tudo isso depois que, enquanto ele me enchia o saco pra burro (não tinha mais ninguém no restaurante), uma canadense entrou no lugar e confirmou que tinha feito o mesmo que ele estava me oferecendo e que tinha dado tudo certo. Ele guardava num quartinho as malas das pessoas que iam subir a montanha e ela estava de volta para pegar suas coisas a almoçar. Bom, começando pela entrada do parque que abriga as montanhas, tudo era um absurdo de caro por lá. Paguei 70 yuans pelo lugar onde dormi, uma cama num dormitório sem chuveiro nem nada, sendo que em Shanghai paga-se 50 por um hostel que te oferece muito mais coisa.


A subida é extenuante, são uns 1400 metros de altura. Escadas e mais escadas. Claro que eles fizeram uns teleféricos, mas não foi pra isso que eu fui. Eu até que aguentei bem, estava em forma por causa dos rolês de bike lá em Xi'an, e em três horas estava no topo. O mais legal lá em cima é ver o nascer do sol, como todo mundo fala para aqueles lados, então às 4:20 da madruga eu já estava de pé, indo por uma trilha até um ponto de observação do horizonte pro lado do nascente. De novo, indescritível. Por causa da altura, o calor do verão é neutralizado e antes do sol aparecer dá até para vestir um casaco, o que foi uma delícia, um alívio pra suadeira desta viagem no meio de julho.



Tudo que se vende lá em cima na lojas é trazido no lombo de chineses (que devem ganhar uma miséria para fazer isso). Então, quanto mais pesado o item, mais caro. Água era mais cara do que comida: 25 yuans por uma garrafa de 1,5L (num supermercado em Pequim custa 3 yuans). Na descida, com o sol já aparecido no céu, fui devagar, aproveitando ao máximo e fazendo trajetos mais compridos já que tinha muito tempo até às 4 da tarde, quando deveria estar de volta ao restaurante do Mr. Cheng lá embaixo na vila.

Acabado o passeio pelas alturas idílicas, peguei então o ônibus para Hangzhou, o próximo destino.



Hangzhou foi uma vez descrito por Marco Polo, o grande viajante do séc. XIV, como o lugar mais lindo da China. Hoje em dia já não é tudo isso, com muitos prédios enormes e, de novo, milhares (seriam milhões?) de turistas. O principal da cidade é o lago enorme em seu centro, o Xihu (lago oeste), que tem um monte de ilhas com jardins, algumas ligadas por pontes dessas chinesas, outras isoladas no meio da água, nas quais se chega com um barco. Fiquei só dois dias em Hangzhou, no primeiro passeando em volta do lago, sem entrar nos templos ou qualquer outra coisa que tivesse que pagar, para compensar os gastos da montanha, e no segundo fui até uma vila fora da cidade onde se produz o chá mais famoso da China, o chá verde Longjing.

Não tinha muito turista ali em Longjing, o que foi demais, e pude respirar um pouco de silêncio. Tinha uns locais que estavam na estrada oferecendo chá para você comprar. O chá do lugar é bem caro, fazendo jus ao fato de ser famoso num país onde o chá é tão bebido e seus consumidores são centenas de milhões. Não queria comprar mas convenci uma das mulheres à me levar à sua casa e me servir um copo do tal chá.


Era realmente muito bom (depois de um ano na China, eu já tomei mais chá do que já tomei na minha vida inteira e pude de fato apreciar o que ela me serviu). Acabei comprando um pote bem pequenino e depois fui dar uma andada pelas plantações.


O calor estava absurdo, mas eu queria ver as plantas de perto e absorver um pouco da paisagem pois não teria outra oportunidade. Na volta para a cidade, ainda parei no museu que o governo construiu sobre o chá e sua história, muito interessante, aprendi bastante e me apaixonei um pouco mais pelo chá verde, que já vinha tomando bem frequentemente nos últimos meses.

De volta à cidade, estação de trem de Hangzhou ao cair da tarde:



A outra cidade para onde fui antes de chegar aqui em Beijing fui Suzhou, não distante de Hangzhou.


Outra cidade descrita com elogios por Marco Polo, mas com canais que cortam a cidade em vez de um grande lago. Suzhou, ao contrário de Hangzhou, não recebeu o mesmo investimento pesado em sua infraestrutura nos últimos anos, então não está tão reformadinha e limpinha e conserva uma atmosfera mais antiga, mais gostosa na minha opinião. Tem menos turistas também.



Acabei ficando três noites lá, relaxando tanto quanto passeando, até porque o calor do meio da tarde era uma coisa assustadora, de você sair para fora do ar-condicionado e começar a suar quase que no mesmo instante. Meu computador suava que nem uma latinha de coca tirada da geladeira quando eu saía com ele do quarto. Fiquei bastante tempo morgando, sentado em alguma sombra ou dentro de algum lugar com ar-condicionado. Suzhou também é conhecida por seus jardins tradicionais chineses. Os mais famosos são os grandes e suntuosos que eram construídos para os imperadores e a nobreza do país. Este é o mais conhecido, onde também tinha um museu que explicava como se construía e quais eram os conceitos de concepção de um jardim desse estilo: beleza, harmonia, mistura de diferentes elementos da natureza em espaço reduzido, etc...


Um dos restaurantes onde almocei em Suzhou:


Como me consigo me comunicar com as pessoas na rua, consigo fazer mais fotos agora. Em Suzhou ia passeando pelas vielas que beiram os canais e encontrando cenas interessantes.


Em Suzhou encontrei um bar bem bacana, com uma banda das Filipinas que tocava muito bem músicas do mundo inteiro para uma platéia de bebedores de chopp nos quais se misturavam alguns estrangeiros. Fui nesse bar nas três noites em que fiquei e sempre puxava conversa com os outros gringos, tentando me sentir um pouco mais em casa depois de muito tempo só falando chinês.



Agora, aqui em Pequim, vou ficar mais ou menos uns 7, 10 dias e me encontrar com o Alan, assim que ele conseguir o visto para poder entrar na China e pegar o seu avião em São Paulo.
Não sei se vou conseguir publicar muito durante a viagem, mas vou tentar, prometo.

Abraços!

5 comentários:

Anônimo disse...

Woohoo!!!

Anônimo disse...

Diego, como sempre um belissimo relato. Eu e todos os q visitamos teu blog somos hj mais cultos a respeito da china. Historias, curiosidades, costumes, turismo, etc. a cada nova publicacao novo aprendizado...obrigada querido! Beijos muitos, e forte abraco. Mami

Unknown disse...

Di

Olha cara, as fotos estão simplesmente fantásticas!!!! Deu pra sentir uma bela evolução sua nos cliques. Fiquei em choque com essas últimas imagens...
Abração

clarice disse...

achei seu blog por acaso. vou esta semana a trabalho p/ expo shanghai, depois vou tirar uns dias, desculpa o aluguel, se puder me passar dicas, seria um salva-vidas.
obrigada de um sofa no Leblon, RJ
clarice philigret

Anônimo disse...

Hei Diego. Fiquei seu fã. Estamos indo para China neste sábado, e estou um pouco temeroso por estar sem um roteiro. Tem como você me escrever? Vamos ficar de 02 a 14 de Setembro lá. Se não se importar, me diga de onde você é. Abraço Grande! Hermanny@ymail.com