domingo, 24 de fevereiro de 2008

Inverno para os olhos - parte 3


Parte 3 - De Lijiang (丽江) até a volta a Xi'an (西安)

Voltamos para o ponto de partida pegando uma "carona" que nos cobrou a metade do preço das vans que se oferecem perto da garganta. O dia já estava avançado e dormimos na mesma hospedaria em que tínhamos deixado nossas mochilas antes de iniciar a caminhada, ao lado da estrada. Manhã seguinte, fomos até a beira da pista pegar um dos táxis que se enfileiram para levar as pessoas para Lijiang, a umas duas horas dali. A estrada até lá, muito linda, com muitas árvores ladeando-a, estava sendo reformada e demoramos um pouco mais do previsto. Eu e Lauren não estávamos querendo ir pra essa cidade mas os franceses queriam passar um dia lá. Nós tínhamos que ir de qualquer forma, afinal, para pegar o ônibus para Dali, o próximo destino, então fomos todos juntos.
Chegamos no começo da tarde daquela quarta-feira e fomos atrás de um hostel que se chamava Mama. Muito sugestivo. A pequena hospedaria faz parte de um conjunto de três: Mama 1, Mama 2 e Mama 3, todas perto uma da outra no centro turístico da cidade e comandadas pela..... Mama. Só ficamos uma noite e mesmo assim tivemos a oportunidade de conhecê-la quando fomos jantar e tomar café-da-manhã no Mama 2, seu quartel general. Nas mesas do refeitório os viajantes se sentam uns com os outros para dividir a comida que ela vai trazendo com a ajuda de seus funcionários, todos com a mesma irreverência e espírito acolhedor que ela transmite. Pena não ter fotos dela ou do lugar, como tinha dito no post anterior, a memória da minha câmera tinha ido pro saco já, e eu não tinha conseguido ainda descarregar. A cidade era exatamente o que tínhamos previsto ouvindo os comentários de muita gente que tinha passado por lá: uma falsa cidade antiga, fake total. O lugar sofreu um terremoto que destruiu a cidade toda em 1996 e então decidiram construir uma nova cidade-velha no estilo chinês antigo. Em volta desse centro existe hoje uma cidade normal, moderna. O interessante então, teoricamente, está no centro, onde não entra carro. Todas as casinhas nas rua estreitas com pequenos e fofos (!?) canais passando pelo lado são ocupadas por lojinhas. Uma graça. Não tenho nenhuma foto, mas não precisa. É só imaginar como é, porque foi construído exatamente pra ser como você espera que seja uma antiga vila chinesa. Lijiang é legal, dentro do hostel da Mama!
Na tarde seguinte pegamos um ônibus para Dali (大理). Eram umas 6 da tarde quando entrávamos na hospedaria. Naquela noite ficamos tomando cerveja e jogando truco no estilo brazuca, que eu tinha ensinado pra eles. Confesso: não é muito divertido jogar um jogo como esse quando você é o único que sabe jogar de verdade e os outros três apenas sabem as regras mas ainda não aprenderam a malícia envolvida...
Com o sol lindo do dia, alugamos umas bicicletas e fomos para a estrada que vai para o norte, paralela às montanhas no vale onde está a cidade e onde há um lago enorme. Entre a estrada e a água, há muitas pequenas vilas e plantações por onde pedalamos, fugindo do asfalto e da fumaça do caminho principal. Antes de começar, consegui descarregar minha câmera e gravar um dvd na mesma loja onde arranjamos as bikes.

Num dos pequenos vilarejos em que passeamos, encontramos esta casa. Não entendemos direito do que se tratava, mas vimos que era ou tinha sido a morada de alguém importante por ali e uma senhora nos convidou à entrada. Esse senhor tinha jeito de saber muita coisa. Ele mantinha um livro de visitas no qual anotamos algumas coisas e nossos nomes e nacionalidades e no qual espiamos comentários de outros gringos.


Já bem longe de Dali, entramos numa cidadezinha onde havia este mercado. As pessoas todas ali eram de um etnia que não consegui descobrir o nome, mas que tem esse chapéu feminino característico. Essas "mochilas" de bambu são uma unanimidade não só nessa etnia, mas em todos os povos do sudoeste da China.

Ali perto encontramos uma mulher que nos levou para conhecer o lugar onde eles produziam estes tecidos e roupas coloridas com essa técnica de desbotamento:



Eu comprei um pano da produção deles e pedi um retrato à ela.


Pedalamos o dia todo, voltando pra Dali só no final da tarde, exaustos. Meu azar com bicicletas alugadas começava naquela vez. No meio do passeio, percorrendo um caminho entre plantações, meu câmbio soltou uma engrenagem. Consegui levar a bike até um cara que mexia com rodas de caminhão pra botar a peça no lugar e seguir adiante. Sem palavras para o tempo.

Dali é uma dessas cidades com um centro antigo, cercado por uma muralha e com mistura de novas e antigas construções. Muito turística mas, ao contrário de Lijiang, com muita coisa linda pra ir ver em volta. E a cidade em si tem um certo charme.


Depois da segunda noite, no sábado de manhã, passeamos um pouco pelas ruazinhas ensolaradas observando os turistas chineses que já começavam a chegar para o festival de primavera, o ano novo chinês, e, logo depois do meio-dia, pegamos o ônibus para Kunming (昆明), a capital da província de Yunnan, a algumas horas de viagem. Quando chegamos, fomos direto para a estação de trem para comprar as passagens dos franceses e de Lauren.

Estava assim lotado por causa do feriado. Max e Martin iam para Beihai visitar alguns amigos na segunda e Lauren seguia para Hongkong na terça para pegar seu vôo para os EUA, visitar sua família. Eu ainda não sabia o que ia fazer mas, de qualquer forma, podia esperar o feriado passar, ainda tinha tempo.


No hostel onde ficamos, Laurent (não confundir com Lauren), um francês da Martinica (ilha no Caribe), veio se juntar a nós. Ele é colega dos outros dois, estudam chinês todos juntos em Pequim.

Vi muitas crianças pedindo dinheiro e fazendo essas estripulias por uns trocados pelas ruas de Kunming. Um dia eu estava no centro, perto do hostel, e vi uma menina de 5 anos que ficava todo dia ali fazendo contorcionismo na companhia do irmão. Naquele momento, uma mulher parou e falou alguma coisa pra criança que começou a fazer um outro exercício na mesma hora enquanto a mulher ia embora, provavelmente a mãe, desgraçada!

Pato assado pra vender na rua!!

Bem, os dois franceses foram para Beihai, Lauren foi embora e Laurent e eu combinamos de ir pra Yangshuo, na província vizinha de Guangxi. Porém, naquela semana era o ano novo chinês e ele foi convidado por uma chinesa que trabalhava no hostel para passar o festival na casa da família dela numa pequena vila não muito longe da cidade. O resultado é que eu tive que ficar quatro dias sozinho esperando pra poder viajar com ele.
Não tem muita coisa pra fazer em Kunming, então decidi alugar uma bicicleta para pelo menos me divertir um pouco. Fiquei os quatro dias com uma puta mountain bike na mão que saiu meio carinha mas valeu a pena.

Todos os dias lá estavam ensolarados com céu azul e temperatura gostosa. A cidade, dizem, é privilegiada por causa de sua posição. No verão, não faz muito calor nem faz muito frio no inverno. Foi uma delícia, eu ficava o dia inteiro pedalando pela cidade indo para as periferias procurando por lugares interessantes.


A magrela está posando em frente à vendinha onde almocei um instant noodles.

Gaivotas, num dos lagos de Kunming, vinham buscar os pedacinhos de bolo que eu lhes atirava.

Na noite do dia 6, a festa da virada no hostel com os outros hóspedes. Fizemos dumplings, prato típico nos eventos especiais. O hostel providenciou a massa e o recheio e a galera se aventurou na arte de fechá-los


No dia seguinte, tudo fechado, tive que almoçar uns espetinhos : dois de tofu, um de carne e um de vegetais. Esses espetinhos são uma delícia e estão por quase todo lugar na China, super temperados inclusive com o realçador de sabor glutamato monossódico, o famoso MSG dos americanos, (o BigMac tem um monte disso) usado na culinária chinesa como o sal.

Numa estrada bem nova que saía para o sul da cidade, topei com esta pipa presa nos canos de água de uma ponte. O pai, que empinava com o filho, veio ver se conseguia tirar e ficou só olhando, era muito alto e tinha um buraco enorme separando a pista do cano. Eu parei a bicicleta num lado e fui ver se conseguia tirar. Consegui puxar o fio que estava cruzando a estrada logo acima da minha cabeça e soltei o papagaio. O pai estava de volta na praça, já longe de mim. Quando virei minha atenção para eles, esperando um aceno, um obrigado, qualquer coisa, tive que me contentar com minha própria satisfação de ter ajudado, porque eles nem sequer olharam pra na minha direção e continuaram empinando a pipa. Chineses.

No sábado, dia 9 de fevereiro, Laurent voltou a Kunming e nos encontramos para pegar o trem.


Chegamos em Yangshuo (阳朔) na tarde seguinte, depois de pegar um ônibus em Guilin, destino final do trem. Yangshuo é uma pequena cidade no meio de uma natureza maravilhosa, cheia de rios e morros de pedra, como mostro agora.

Max e Martin chegaram naquela mesma noite para se juntarem a nós. No primeiro dia fomos dar um passeio de barco pelo rio.

Não há nada ao redor do rio por muito tempo até que se chega numa praia de pedras, o ponto final do passeio, antes de voltar, e todos os barquinhos param lá para você dar uma olhada. Tem gente vendendo chá, ovos cozidos, coisas para comer e beber. Isso no meio do nada.


Patos. No meio da estrada, sendo tocados por sua criadora e depois no mercado.



Na China, eles gostam de carne fresca, não usam refrigeradores para vender a carne. É tudo matado no dia ou na hora.... Nos mercados dessa área vi muita gente vendendo cachorros. Vi alguns em gaiolas esperando seu momento de virar comida. Fiquei mal com essas cenas e não tive a cara de tirar foto. Acho que vocês não gostariam de olhar de qualquer forma.

Nos três dias seguintes alugamos umas bicicletas para dar uns rolês pela região. No primeiro dia, paramos para perguntar por restaurantes numa pequena vila. Não havia nenhum por perto e o cara para o qual tínhamos perguntado foi logo convidando a gente pra comer na casa dele, por uma modesta quantia. Aceitamos.




A paisagem ali é uma das mais bonitas que já vi na vida e bicicleta é a melhor maneira de passear por lá, muitas estradas de terra e caminhos à beira dos rios. Porém, a falta de sorte com elas continuou. Logo na saída da casa do chinês, meu câmbio entrou dentro da roda e quebrou alguns aros. Tive que pedalar de volta forçando a pedalada por causa do pneu que estava raspando no quadro. É como tentar acelerar um carro com o freio de mão puxado. Mas tudo bem, foram só 9 kms e a o pôr do sol era este:



No segundo dia vimos o famoso morro da Lua, acho que dá pra sacar:

Tinha que pagar pra entrar no parque onde fica esse morro. Não entramos e observamos de longe mesmo, não gostamos de exploração e, como vocês já devem ter percebido, os chineses são especialistas em explorar turistas.
Encontramos uma caverna numa estrada em que estávamos e fomos dar uma olhada. Não havia ninguém por perto para cobrar entrada...
De la gauche a la droite: Laurent, Martin, moi, Maxime.

Quando voltei para pegar minha bicicleta, o pneu de trás estava no chão, sem ar. Puta que pariu! Tive que empurrar por 40 minutos até achar um borracheiro. Isso porque não tinha nada por perto, porque a china tem mais bicicletarias do que bancas de jornal.



Naquele dia jantamos o famoso peixe na cerveja, típico da cidade, mas, ao invés de ir num restaurante, compramos os ingredientes com o pessoal que trabalha no hostel e eles cozinharam. Nós pagamos, eles cozinham e todos comem. Bem justo e uma delícia.


Yangshuo foi maravilhoso, não tem mais muito que falar.



Sexta-feira, dia 15, fui até Guilin com os franceses para pegar meu trem de volta. Eles também iam começar o caminho de volta naquela tarde. Minha viagem até Xi'an durou 27 horas. Como estava sozinho no trem, fiquei bem entediado no segundo dia: o único livro que levava comigo não era lá muito interessante e eu já tinha ouvido toda a música na memória do meu mp3 player.


Cheguei em Xi'an no final do segundo dia, lá pelas 21h. Estava feliz de chegar de volta em casa, muito satisfeito de poder tomar uma ducha quente no meu banheiro, ver meus emails no meu computador e dormir profundamente na minha própria cama depois de 30 dias viajando. Nesse tempo, passei por três províncias no sudoeste chinês e passei por muita coisa que vou guardar pelo resto da minha vida, sem brincadeira.

8 comentários:

Anônimo disse...

Que maravilha! Como sempre após a leitura, fico com o gostinho de "quero mais". Parabéns pela viagem, pelo relato, pelas fotos e por compartilhar com todos esta tua experiencia única de vida...para toda a vida!
É dificil descrever a minha saudade filho, mas qdo entro no teu blog e meus olhos passam pelas tuas palvras, ela, a saudade, se transforma, toma matizes de orgulho, satisfacao e muita alegria. Valeu meu querido, valeu cada dia, cada mes q estou sem te ver e abracar.
Estive na China por teus olhos e adorei! Te amo
Ma

Anônimo disse...

Diego, eu quero ir pra China!
Por favor, diz que você aprendeu a fazer o peixe na cerveja, diiiiz!

Beijão,

Tati

Unknown disse...

uaaaaaau!
Essa ultima foto encerrou mesmo c todas as honras merecidas.
Mas as fotos todas tavam muito bonitas (tirando as q vc aparece, claro. ehehe), tipo assim, magicas!
Valeu maninho!
Grande abraco!

Anônimo disse...

estou orgulhoso de voce, de ler voce, de rir na facudade enquanto o professor esta dando aula, ( uma rizada sulficiente alta para parar a aula) , de imaginar os lugares, as fotos...a experiencia.

Voce guardara para sempre a experiencia e eu, ( pessoalmente) guardarei para sempre a lembranca da leitura.
amo vc
bjss
de
( para os mal informados...o irmao)

Unknown disse...

E aí Di

Bom, acabou a viagem , mas o blog continua , né? Estamos aqui esperando as fotos e os textos...

obs 1 Logo mais te dou as coordenadas do meu banco de imagem...
obs 2 Do cachorro na gaiola esperando para ser comido você teve dó, mas garanto que mandou ver nos patinhos!!!hahahaha

abraço
Dani

Anônimo disse...

Diego,

Leio sempre os seus posts e é sempre um prazer conhecer um pouco da China através de seus olhos e suas lentes.

beijo.

Leonardo Wen disse...

Dieguito!!! Sensacional essa sua viagem toda!!! Deus queira me colocar nesse teu lugar em um futuro proximo!! Mas por outro lado nao tenho nada do que reclamar por enquannto, aqui em Londres vai tudo muito bem, o curso ta ficando melhor a cada dia e mes que vem saio eu pra explorar essa Zuropa toda.... vamos nos falando!!! grande abraco!!!

MAÌRA DVOREK disse...

Cadê as fotos em PB Sr Diego?